terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Rock n’ Roll x Pagodão: O Elo Escondido

Polêmica! Haaaaa!
Leo Santana (esq) e M. Shadows (dir)

O rock n’ roll e o pagode sempre titularizaram uma rivalidade histórica. Geralmente, os adeptos do bom e velho rock n’ roll não são muito chegados ao pagode. Do outro lado, quem gosta de uma quebradeira também nutre sentimentos pouco amigáveis em relação às músicas do capiroto ao rock. São estilos musicais diferentes que representam estilos culturais diferentes. Como as pessoas, em geral, curtem uma confusão, eis a troca de gentilezas constantes entre roqueiros e pagodeiros.

Verdade seja dita, eu, como um amante do rock n’ roll, sempre ficava com um pé atrás quando o assunto era pagode. Entretanto, em um momento de elevação espiritual e busca pelo engrandecimento do ser, resolvi abrir meu coração e observar os dois ritmos, os dois estilos, como quem observa os voos de um pelicano (pelicano voa? Acho que sim, enfim...) e de uma arara. O resultado foi uma descoberta fascinante, ambas voam no mesmo céu. Se você não entendeu nada desse momento poético, vou traduzir: acontece que apesar de toda discrepância instrumental, ideológica e cultural, o rock n’ roll e o pagode têm muita coisa em comum. É com base nessa observação que fiz no meu momento de reflexão que trarei neste post alguns pedaços do elo escondido entre o rock n’ roll e o pagode.

Guardem as facas para depois do post.

A ORIGEM

Não vamos fazer aqui uma análise histórica aprofundada do rock n’ roll e do pagode, e sim observar um ponto comum no despojar dos dois estilos: a origem.

O rock n’ roll, quando ainda estava engatinhando, recém-desgarrado do blues e do R&B, era tocado por homens negros, muitas vezes sem emprego, que vagavam pelo país carregando apenas sua musicalidade e seu violão. A influência da música africana foi muito intensa na formação do estilo. Lá na América do Norte, o rock n’ roll vagava com esses homens pelas regiões mais pobres dos Estados Unidos.

Posteriormente, com o desenvolvimento do estilo, várias ramificações foram surgindo, mas o caráter periférico persistia. O heavy metal, com toda a obscuridade que trouxe nos anos 70; o punk rock, com a rebeldia e o protesto; e o grunge, movimento surgido no interior americano, em cidades onde a madeiraria movimentava a economia, são exemplos de vertentes do rock que nasceram marginalizadas.

Com o pagode não foi diferente. O samba, raiz do estilo, era perseguido antigamente. Se você um dia arrumar uma máquina do tempo e resolver passear pelas ruas do Rio de Janeiro, lá pelas bandas de 1920, tome cuidado. Afinal, quem fosse pego batucando naquela época provavelmente ganharia uma noite grátis no xilindró. Além da iminente marginalidade que era ligada ao estilo, temos mais uma vez a presença da influência africana na formação da musicalidade deste.

O samba também se desenvolveu, e dele surgiram novas ramificações, das quais o pagodão baiano, foco da nossa comparação. Essa modalidade do pagode, assim como ocorreu com o punk, heavy metal e grunge, é um movimento periférico. Muitas bandas de pagode originam das favelas de Salvador e representam o contexto social e a cultura popular desses locais.

Sim, temos países diferentes na brincadeira. Entretanto, estar à margem é estar afastado do padrão em qualquer lugar do mundo. Por conta disso, por serem movimentos periféricos, temos aqui o primeiro ponto de afinidade entre o rock n’ roll e o pagode.

EXPLOSÃO

Outro ponto que achei extremamente familiar ao rock e ao pagode é a questão da explosão. Já tentei explicar isso para alguns amigos, mas descobri que é algo bastante complicado. A oposição entre os dois tipos é tão bem fixada em nossas cabeças que a visualização das afinidades fica comprometida. Mas lembrem-se, hoje é dia de rock de elevação, então vamos começar a subir as “escadarias para o céu” (piadinha rock n’ roll hahahaha, traduza para o inglês e jogue no google se não entendeu :D).

Isso que denomino “explosão” seria a intensidade que é manifestada nas apresentações ao vivo dos dois estilos. Claro, todo tipo de música é capaz de gerar essa empolgação, esse êxtase. Porém, no rock n’ roll e no pagode, essa eletricidade se exterioriza de maneira bem semelhante. A própria música de fato, tanto no rock (mais pesado, especificamente), quanto no pagode, apresenta uma coisa parecida. É aquela zoada, aquela loucura, aquela vontade louca que te dá de aumentar o som (ou gritar para que o desgraçado do cara na rua abaixe aquela porra). O rock e o pagode simplesmente conseguem explodir. Por conta disso, as apresentações ao vivo promovem uma conexão interessante entre público e banda. Se eu fosse viajar mais do que já estou viajando, diria que a “essência da bagaceira” vem da mesma fonte de explosão.

Para ilustrar o que estou dizendo, e você perceber que não estou maluco, vamos assistir dois vídeos curtos:

Esse primeiro é de uma apresentação da banda Avenged Sevenfold. Assista a partir dos 50 segundos de vídeo.

Repare que se você abaixar o volume do vídeo e colocar um CD de Black Style enquanto assiste, encaixará perfeitamente.

Agora o segundo. Veja a partir dos 3:30 min.

Trata-se de uma apresentação de Igor Kannário no carnaval de Salvador. Não há como negar, é a mesma explosão.

TEMÁTICA DAS LETRAS

Bem, nesse ponto vale lembrar que, realmente, a diferença no conteúdo, de forma geral, das letras de rock e de pagode é bastante grande.

Maaaaaaaaas...

Como bons parentes distantes que são - frutos da música africana e nascidos na marginalidade -, rock n’ roll e pagode vez ou outra acabam falando das mesmas coisas sem nem perceber.

Pagode, Rock n’ Roll, não tentem negar, o Elo Escondido existe, vocês têm sua parcela de conectividade. Se não acreditam no que digo, separei uns versos para mostrar a vossas maestrias.

 Primeiramente, vamos ver os dois primeiros versos da música “Cigaro”, da banda System of a Down:

“My cock is much bigger than yours
My cock can walk right through the door”

Bem, como isso aqui é um blog de respeito, não vou traduzir literalmente o trecho. Entretanto, cabe dizer que o eu-lírico, nos versos em questão, se gaba por ter uma característica masculina muito mais avantajada do que a do seu interlocutor. Para enfatizar a diferença, ele ainda afirma que essa característica consegue atravessar pela porta, devido ao seu comprimento.

Agora vamos analisar os versos do refrão da canção “Rala a Tcheca no Chão”, do Black Style:

“Rala a tcheca no chão, chão
Rala a tcheca no chão, chão chão chão
Rala a tcheca no chão,
A tcheca no chão, a tcheca no chão, mamãe...”

Trata-se de um incentivo, camuflado por eufemismo e metáforas poéticas, a realização de movimentos, por parte da mulher, que remetem a atos libidinosos.

Em ambos os casos, rock n’ roll e pagode trouxeram em suas músicas expressões de conotação sexual, as quais podem causar incômodo ou constrangimento em pessoas de moralidade mais rígida. Essas expressões não são mais do que manifestações do contexto marginal intrínseco ao rock n’ roll e ao pagode.

Mas não há só lado negro nas músicas. Vamos ver mais alguns versos. Primeiramente, um trecho traduzido da canção “In the Ghetto”, interpretada pelo Rei do Rock, Elvis Presley.

“E a fome aperta
Então ele começa a vagar nas ruas à noite
E aprende a roubar
E aprende e lutar
No gueto

Então em uma noite de desespero
O jovem foge
Compra uma arma, rouba um carro,
Tenta fugir, mas não chega longe
E sua mãe chora”

Agora o refrão da música “Realidade Dura da Favela”, do Fantasmão.

“Gueto, preto, pedra
Morre ou vai pra cela
Realidade dura da favela”

Antes dos comentários, vejamos outra parte de “In the Ghetto”.

“E sua mãe chora
Porque se existe uma coisa que ela não precisa
É outra boca faminta para alimentar
No gueto”

De volta ao Fantasmão.

Mesmo que a dor seja preciso
Feijão faltou
Guri chorou
Desmoronou”

Esses trechos são interessantes. Canções de épocas diferentes, estilos diferentes, países diferentes, mas com muita coisa em comum. Percebemos, claramente, a descrição de uma vida nas favelas, nos subúrbios marginalizados. Rock n’ Roll e Pagode, ritmos tão separados culturalmente, mas falando da mesma coisa, da mesma forma. O motivo é não outro senão a necessidade de olhar para si mesmo. Em ambas as canções o que temos é a expressão da triste realidade que serve de berço para esses tipos musicais. Esse é mais um ponto de afinidade entre rock e pagode.

E como menção honrosa, vamos deixar apenas o título de duas canções, onde o eu-lírico necessita ouvir o lamento do seu instrumento musical.

-While My Guitar Gently Weeps (Enquanto Minha Guitarra Chora Gentilmente), Beatles.

-Mandei Meu Cavaco Chorar, Harmonia do Samba.

DEDICAÇÃO DOS ADEPTOS

Para encerrar essa comparação inusitada, mas possível, vamos falar dos adeptos. Sim, porque sem eles não haveria polêmica nenhuma para comentar, nem Elo Escondido para revelar.

Por mais louco que possa parecer, uma das coisas que assemelha o pagode e o rock são justamente os fãs de cada estilo. Quando digo fãs, ou adeptos, me refiro aos militantes radicais, aqueles que só vislumbram o rock n’ roll e aqueles que nada mais percebem além do pagodão. Esses adeptos são fiéis à ideologia do estilo que seguem de maneira bastante intensa. Essa devoção ocorre no modo de se vestir, nas expressões utilizadas na comunicação, nas opiniões, no modo de se relacionar com os outros e, é claro, nas músicas que ouvem. Claro, todo estilo, não musical apenas, mas ideológico, tem suas características e peculiaridades. Mas por que estou destacando o rock n’ roll e o pagode? Não, não é só porque o texto é sobre isso.

Posso está completamente errado em relação a tudo que falei até agora. Muita gente vai discordar também. Mas, a meu ver, quem é verdadeiro militante do rock n’ roll e do pagode tende a ser mais fechado do que os militantes de outros seguimentos. Talvez por conta disso haja essa rivalidade entre roqueiros e pagodeiros. A ideia de “cabeça aberta” presente nos dois estilos parece não se aplicar quando o assunto é aceitação do outro. Quando digo outro, digo outro no sentido deles mesmos. Traduzindo. O roqueiro não é cabeça aberta em relação ao pagodeiro, assim como o pagodeiro não é em relação ao roqueiro. Não estou dizendo que é hora de vestir a camisa do Maiden e baixar um CD da Bronkka (eu mesmo não me sinto nenhum um pouco com vontade de fazer isso), ou de apagar o CD novo do Kole i Pan e botar Metallica no paredão, e sim que expor fragilidades em questões que dizem respeito a gosto é um desgaste totalmente inútil.

Moral da história: os adeptos, roqueiros e pagodeiros, por ficarem trocando gentilezas, acabam se aproximando e fortalecendo o Elo.

FINAL, FINALMENTE.

Apois, após falar (falar bastante, mais do que eu esperava) de tudo isso, chegamos, finalmente, ao fim da nossa comparação. Como eu disse anteriormente, não é fácil explicar que rock e pagode são coisas parecidas. Se você conseguiu captar alguma coisa, parabéns, você já começou a subir a Escadaria. Se você não entendeu nada, comece a buscar a elevação. Se você discorda de alguma coisa, de tudo, ou quer apenas se manifestar, não deixe de comentar aí embaixo. Até a próxima e lembrem-se, o poder é de vocês! (????)

PS: Para arrebatar, um videozinho mostrando duas coisas:

      1) Os comentários do rapagão que postou o vídeo não são legais e não condizem com o Elo.
      2) O vídeo mostra rock n’ roll e pagode bebendo da mesma fonte.

Valeu!


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