Poucas
coisas na vida são tão prazerosas quanto uma Coca-Cola – trincando de gelada –
descendo por nossas gargantas em um dia de calor. Alguns dizem que mata. Outros
dizem que faz seu corpo entrar em decomposição. Ainda, há que diga que tem
pacto com o Capiroto. Quem se importa? Coca gelada é uma delícia. O inferno não
deve ser tão ruim assim.
Mas
antes que passe por sua cabeça que a Coca-Cola me contratou para impulsionar o
seu plano de aquisição de almas – o que não seria má ideia, já que eu aceitaria
o pagamento em engradados de Coca KS –, esclarecerei uma coisa: não é nada
disso que você está pensando.
Olhando
à distância, nosso Líquido Negro dos Prazeres não tem nada de mais. Em verdade,
trata-se de apenas um refrigerante de cola. Um líquido preto e gaseificado,
assim como a Pepsi, Schin-Cola e Dolly (o sabor brasileiro). Em resumo, nada de
mais.
Ora,
se não há diferença visual entre os refrigerantes de cola, como é que nós
podemos identificar qual deles provocará o êxtase da trincada na garganta? Eu
aposto que você sabe a resposta. Através do rótulo.
Eis
o mistério da fé! Este singelo texto tratará sobre rótulos. Graças a Deus.
Então,
agora que sabemos que as próximas palavras versarão sobre rótulos - e não sobre
Cocas -, cabe questionar: o que é um “rótulo”? Para responder à pergunta em
questão, recorri ao meu exemplar do Minidicionário da Língua Portuguesa, de
Sérgio Ximenez, de 2003 (super atualizado).
Embora
as páginas do meu oráculo ortográfico da época da primeira série tenham
vivenciado quase quatro Copas do Mundo, a definição de “rótulo” parece impecável.
Diz o Sr. Ximenez:
Rótulo - 1.
Etiqueta colocada nas embalagens e recipientes, com marca e indicações sobre o
conteúdo, prazo de validade, etc. 2.
Qualificação simplista.
A
coisa não é tão elementar quanto parece, meus caros Watsons.
Temos
duas óticas sob as quais desenvolver a ideia de rotulação. A primeira diz
respeito às minúcias de um produto. Tudo aquilo que você precisa saber sobre
alguma coisa. Bem objetivo. A segunda, por sua vez, tem relação com algum tipo
de entendimento simplório – e até unidimensional – sobre algo. Este algo,
importante perceber, é subjetivo.
Bem,
parece que a elucidação do Sr. Ximenez não deixou a coisa mais simples. Não tem
problema. Vamos guardar o que sabemos sobre “rótulos” na nossa caixinha e
seguir adiante. Com sorte, a luz se acenderá no meio do caminho. Se não
acender, melhor ainda.
Não
é difícil a gente se deparar com o discurso de que rotular é ruim. Quem se
define, se limita – já dizia o “quem sou eu”
do Orkut. Mas será que é assim mesmo? Na lata?
Rotular
o rótulo como ruim não seria rotular? A cabeça começa a rodar.
Vamos
pensar com calma. Se precisar, tome uma Coca.
De
fato, a rotulação pode ter um lado muito negativo. Principalmente por conta da
limitação que é imposta por um rótulo. Nesse sentido, quando alguém é
adjetivado como “cabeça-dura”, “de humanas” ou “CDF”, é possível que estas
pessoas permaneçam com o comportamento estagnado por conta da qualificação
sofrida. Logo, o “cabeça-dura” dificilmente mudará de opinião – mesmo que
perceba que a sua ideia decaiu -, o “de humanas” se recusará a melhorar sua
matemática – pois não é sua praia - e o “CDF” não se permitirá cometer
equívocos no processo de estudo – pois ele deve ser o detentor do saber.
O
que eu quero dizer é que, em certa medida, os rótulos coadunam com o Orkut:
quem se define se limita. A vida é plural. Pessoas têm várias emoções, vários
comportamentos, vários saberes. Rotular, portanto, representa – nessa situação
– o enclausuramento das ideias. Em outras palavras, o rótulo seria um agente
limitador do desenvolvimento de cada um que aceita a adjetivação imposta. Este é
um ponto negativo.
Nessa
perspectiva, estamos diante de uma qualificação simplista. Um mero adjetivo –
muitas vezes errôneo – define um ser humano cheio de lados. Tal conceito é
equivocado e deve ser rejeitado.
Por
outro lado, considerando o mundo em sua pluralidade – ou seja, cheio de
possibilidades -, é cabível afirmar que cada um faz e sente um monte de coisas.
Sendo
assim, é possível dizer que uma pessoa sente medo e amor. Sente cansaço e fome.
Pode resolver problemas matemáticos e escrever poemas. Gosta da Marvel e da DC.
Você
está começando a perceber? Se não estiver, vamos tentar entender juntos.
Dentro
do universo de possibilidades o qual estamos inseridos, existe o universo
individual que exala da nossa experiência. É o mundo que nós vivemos de fato. A
vida aos nossos olhos. Em resumo: é a nossa existência.
Nessa
existência, cada de um de vocês, caros Watsons, se mostra através de um
turbilhão de atributos que vêm de algum lugar de sua alma.
Veja,
não estamos falando de rótulos que são atribuídos de fora para dentro e que
você segue. Estamos falando de características realmente suas, que saem de
dentro para fora.
Trocando
por miúdos, você é. As atividades que te fazem bem. A música que você ouve. A
comida que lhe apetece. O filme que lhe emociona. As condutas que lhe são
típicas.
Nesse
contexto, é possível falar em um tipo de rótulo que não é limitador. Em
verdade, é apenas a expressão de algo que você de fato é.
Por
exemplo.
J.K
Rowling – autora de Harry Potter – é escritora. Isso é um rótulo, certo? Porém,
esse rótulo não vem de fora para dentro. Não obriga J.K Rowling a ser
escritora.
Você
pode até não gostar dos livros dela, mas isso não refuta o fato de que ela é
escritora. Ela escreve livros. Quando você pensa em J.K Rowling, você pensa nos
livros que ela escreveu. O rótulo, aqui, é um adjetivo. Uma informação de algo
que é.
É
uma definição livre. Sem julgamentos, sem limitações.
Provavelmente
J.K Rowling gosta muito de ler. Também deve gostar de ouvir algum tipo de
música. Talvez goste Coca-Cola também. A verdade é que ela – certamente – é um
monte de coisas. Em meio ao universo individual dela, o rótulo de escritora expressa
uma das facetas mais importantes dessa mulher, caso contrário ela não teria
dedicado tanto tempo de sua vida à escrita.
Entretanto,
afirmar que J.K Rowling é APENAS escritora representa um rótulo que limita.
Porém, APENAS afirmar que ela é uma escritora significa colocar luz sobre uma
das inúmeras vertentes dessa pessoa.
Mas,
e aí? Rotular é bom ou ruim, afinal? Pois bem, amigos, essa pergunta não sou
capaz de responder.
A
Coca-Cola tem um sabor maravilhoso. Para saber que aquele refrigerante de cola
é uma Coca, e não uma Pepsi (não, não pode ser), a gente olha o rótulo. Vermelho,
com aquela fonte legal que dizem que se você ler ao contrário diz “Alô Diabo”.
Entretanto,
a gente pode até reconhecer a Coca pelo rótulo, mas devemos apreciá-la pelo seu
sabor.
Após
toda essa viagem, pare para pensar um pouco. O que faz você ser o que é? Você
está se rotulando? Você está se limitando?
Existe
alguma coisa que, se fosse tirada de você, te faria uma pessoa diferente do que
você é? O que você gostaria de ser? Todas essas indagações não seriam formas de
rotular?
O
que você é? Não se rotular é um rótulo?
Vou
tomar uma Coca enquanto você pensa.
Rafael Verdival
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